Mesmo com tantas evidĂȘncias do perigo que representa estar desprotegido contra essa infecção sexualmente transmissĂvel (IST), o Programa Nacional de Imunizações (PNI) constatou queda na proteção do pĂșblico-alvo dessa vacina no ano passado.
Procurado nesta segunda-feira (6) pela AgĂȘncia Brasil para atualizar os dados, o ministério informou que, entre as meninas, a cobertura da vacina contra o HPV, em 2022, alcançou 77,37% na primeira dose, e 58,29%, na segunda dose. Entre os meninos, 56,76% receberam a primeira dose, e apenas 38,39%, a segunda.
Infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto I'Dor, José Cerbino Neto explica que poucos dos mais de 100 tipos de HPV são relacionados ao câncer, e os tipos 16 e 18 são os mais perigosos.
Indicada no Sistema Ănico de SaĂșde (SUS) para adolescentes de 11 a 14 anos e pessoas com situações especĂficas da saĂșde, a vacina contra o HPV protege contra esses dois tipos e também contra duas cepas responsĂĄveis por verrugas genitais. Além do pĂșblico-alvo do PNI, pessoas de até 45 anos podem obter a vacina em clĂnicas privadas de imunização, segundo autorização da AgĂȘncia Nacional de Vigilância SanitĂĄria (Anvisa).
"Se entende que a vacinação nessa população de 11 a 14 anos vai ter um maior impacto, porque essas pessoas estarão vacinadas desde antes de iniciar sua vida sexual. Mas para qualquer pessoa não vacinada até 45 anos, hĂĄ um benefĂcio com a vacinação", destaca o pesquisador.
"A vacina tem a capacidade de proteger as pessoas da infecção sexualmente transmissĂvel, e, em Ășltima anĂĄlise, protegĂȘ-las de um câncer que elas poderiam vir a desenvolver".
Pessoas que vivem com HIV/aids, transplantados de órgãos sólidos, de medula óssea ou pacientes oncológicos na faixa etĂĄria de 9 a 45 anos também podem ser vacinados gratuitamente no SUS, em algum centro de referĂȘncia de imunobiológicos especiais, com o esquema de trĂȘs doses.
As estimativas do Ministério da SaĂșde dão conta de que cerca de metade de todas as mulheres diagnosticadas com câncer do colo de Ăștero tĂȘm entre 35 e 55 anos de idade e muitas, provavelmente, foram expostas ao HPV na adolescĂȘncia ou na faixa dos 20 anos de idade.
Apesar de ser associado a casos de câncer, a grande maioria dos casos de infecção pelo HPV não evolui dessa forma. Em grande parte dos casos, o próprio sistema imunológico se encarrega de combater o vĂrus antes do surgimento de sintomas.
Segundo o Ministério da SaĂșde, os primeiros sintomas podem aparecer de dois a oito meses após a infecção pelo HPV, mas continuam a existir chances mesmo duas décadas após o contato. As manifestações sintomĂĄticas são mais comuns em gestantes e em pessoas com imunidade baixa. O vĂrus pode causar lesões visĂveis e invisĂveis a olho nu, e a manifestação mais frequentes são verrugas na região genital ou anal. Essas verrugas, em geral, estão associadas aos tipos não cancerĂgenos de HPV.
Cerbino destaca que a maioria da população adulta vai ser infectada pelo HPV em algum momento da vida. Como os tipos do vĂrus associados ao câncer são os que provocam lesões mais graves, eles são os mais frequentemente diagnosticados e testados laboratorialmente, o que não significa que sejam os que mais circulam.
"Eles são os mais identificados por serem os que causam mais doenças", destaca. "Como existe mais de um subtipo, hĂĄ benefĂcios em tomar a vacina para quem jĂĄ teve o HPV, porque vocĂȘ estaria aumentando sua proteção contra uma eventual nova infecção, embora isso não seja comum".
O Ministério da SaĂșde e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) citam estudos internacionais que apontam que chega a 80% o percentual de mulheres sexualmente ativas que terão contato com um ou mais tipos de HPV em algum momento de suas vidas, e essa porcentagem pode ser ainda maior em homens. Pesquisadores que se debruçam sobre o tema estimam que entre 25% e 50% da população feminina e 50% da população masculina mundial esteja infectada por HPV.
Para o infectologista da Fiocruz, campanhas antivacina e boatos se somam à dificuldade de mobilizar a faixa etĂĄria alvo da vacinação como alguns dos obstĂĄculos a uma cobertura maior para a imunização contra o HPV.
"O nosso calendĂĄrio vacinal tem vacinas recomendadas para todas as faixas etĂĄrias, mas a nossa cultura é vacinar as crianças. Então, o fato de a vacina ser aplicada dos 11 aos 14 anos pode ter contribuĂdo para a cobertura ter sido mais baixa", avalia ele, que destaca que a vacina é segura e eficaz, além de ser aplicada em mais de 100 paĂses.
O imunizante contra o HPV disponĂvel no PNI e nas clĂnicas privadas até este ano é o quadrivalente, que protege contra quatro tipos do vĂrus, entre eles o 16 e 18, considerados mais perigosos. As clĂnicas privadas devem começar a aplicar nas próximas semanas uma nova versão da vacina, contra nove cepas, também incluindo o 16 e o 18 e mais cinco tipos de HPV de alto risco.
ResponsĂĄvel pelo setor de Imunização Humana do Richet Medicina & Diagnóstico, PatrĂcia Rosa Vanderborght explica que essa nova vacina vai aumentar a proteção contra o câncer de colo de Ăștero e de outros tipos. A pesquisadora também destaca que a comunicação sobre a prevenção do HPV vem sendo muito restrita aos adolescentes, por causa das campanhas oficiais de vacinação, e às mulheres, por conta da prevenção do câncer de colo de Ăștero.
"A incidĂȘncia é muita alta, e homens não tĂȘm a cultura de ir ao médico e fazer exames como a mulher, que vai ao ginecologista. A gente observa muita falta de informação entre os homens, que acham que a vacina só é importante para mulheres", alerta. "Outra população importante é a população LGBT. A gente tem conversado com os infectologistas sobre a necessidade de essa população ter ciĂȘncia da prevenção e da incidĂȘncia de câncer".
PatrĂcia acrescenta que a vacinação contra o HPV na adolescĂȘncia tem a vantagem de ser em esquema de apenas duas doses. Nas clĂnicas privadas, que vacinam o pĂșblico adulto, a vacina passa a precisar de trĂȘs doses.
Fonte: AgĂȘncia Brasil