Uma pesquisa internacional, com a participação do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), indicou a necessidade de se avaliar a inclusão das formas graves de monkeypox como uma nova condição definidora de Aids nas classificações das doenças do HIV no Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos e na Organização Mundial de SaĂșde (OMS).
O trabalho foi feito por pesquisadores de 19 paĂses, entre os quais Estados Unidos, Espanha, México, Reino Unido e Brasil. Eles reuniram dados de casos confirmados de monkeypox (Mpox, também chamada de varĂola dos macacos) entre 11 de maio de 2022 e 18 de janeiro de 2023, para estudo que avaliou casos em pessoas com infecção avançada por HIV . O INI/Fiocruz, que é a referĂȘncia para o atendimento de casos de Mpox no Rio de Janeiro, desenvolve pesquisas que contribuem para o enfrentamento dessa doença.
O estudo destacou também a evolução fatal de pacientes com suspeita de deterioração clĂnica em decorrĂȘncia da sĂndrome de reconstituição imune (Iris), uma condição inflamatória que pode ocorrer após o inĂcio da terapia antirretroviral. Do total de 85 pacientes que iniciaram ou reiniciaram o uso de antirretrovirais, 25% tiveram suspeita de que a deterioração clĂnica pode ter ocorrido em decorrĂȘncia da Iris, sendo que 57% desses vieram a óbito, o que trouxe grande preocupação para os pesquisadores.
Em termos de prevenção, a pesquisa indicou que as pessoas com HIV e alto risco de infecção por monkeypox devem ser priorizadas para uma vacina preventiva. O trabalho ressaltou que dois terços das mortes registradas ocorreram na América Latina.
Segundo os pesquisadores, os achados são particularmente pertinentes para paĂses com baixos nĂveis de diagnóstico de HIV ou sem acesso gratuito universal a uma terapia antirretroviral ou a unidades de terapia intensiva, onde a interação da infecção descontrolada por HIV e monkeypox é mais prevalente. Ressaltaram também que, nesses paĂses, deve ser efetuado um esforço conjunto para fornecer acesso urgente a antivirais e vacinas contra monkeypox.
O trabalho internacional foi apresentado na 30ÂȘ Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections (Croi 2023 - ConferĂȘncia sobre RetrovĂrus e Infecções Oportunistas, em tradução livre), que ocorreu em fevereiro em Seattle, nos Estados Unidos, e publicado na revista cientĂfica The Lancet. O estudo Mpox in people with advanced HIV infection: a global case series (Mpox em pessoas com infecção avançada por HIV: uma série de casos globais, em tradução livre) analisou 382 casos, sendo 349, o equivalente a 91%, em indivĂduos que viviam com HIV. A pesquisa constatou que 107 pacientes (28%) foram hospitalizados e 27 morreram (25%). Os óbitos ocorreram em pessoas que apresentavam imunodepressão avançada pelo HIV.
O trabalho destacou a descrição de uma forma grave de monkeypox, caracterizada por lesões cutâneas e mucosas necrotizantes, com alta prevalĂȘncia de manifestações dermatológicas e sistĂȘmicas fulminantes e morte, em pacientes com doença avançada pelo HIV, caracterizada por contagens de linfócitos TCD4+ abaixo de 200 células/mm3. O estudo contou com a colaboração da infectologista do Laboratório de Pesquisa ClĂnica em IST e Aids do INI/Fiocruz Mayara Secco Torres Silva.
Além da assistĂȘncia a pacientes com monkeypox, o INI/Fiocruz realiza pesquisas de combate à doença. Entre elas, destacam-se dois estudos multicĂȘntricos sob a coordenação do Instituto, que deverão ser iniciados no próximo mĂȘs de março. O primeiro deles avalia a vacina MVA-BN Jynneos, produzida pela empresa Bavarian Nordic, como profilaxia pós-exposição. A vacina é dada após a pessoa ter tido contato com alto grau de exposição potencial ao vĂrus, através de contato Ăntimo com uma pessoa que seja caso confirmado de monkeypox ou que tenha se acidentado ao manipular material contaminado pelo vĂrus, tanto na coleta de material clĂnico como no processamento de material em laboratório.
A coordenadora do estudo e diretora do INI/Fiocruz, Valdiléa Veloso, disse à AgĂȘncia Fiocruz de NotĂcias que essas pessoas deverão comparecer aos centros de pesquisa, onde receberão duas doses da vacina, com intervalo de 28 dias entre as doses, se a exposição tiver ocorrido no intervalo de até 14 dias. As pessoas cuja exposição tiver ocorrido após 14 dias poderão participar do estudo e serão acompanhadas, mas não serão vacinadas. O estudo prevĂȘ a participação de, pelo menos, 746 pessoas. A expectativa, segundo a diretora, é que esse imunizante, aplicado dentro do intervalo de tempo previsto, possa bloquear o processo de infecção pelo vĂrus ou atenuar o desenvolvimento da doença.
O segundo estudo é denominado Unity. Trata-se de um ensaio clĂnico internacional que vai avaliar a segurança e a eficĂĄcia do antiviral Tecovirimat no tratamento de pacientes com monkeypox. O estudo é coordenado pela pesquisadora Beatriz Grinsztejn, chefe do Laboratório de Pesquisa ClĂnica em IST e Aids do INI/Fiocruz, em parceria com Alexandra Calmy, do Hospital da Universidade de Genebra-SuĂça e com a AgĂȘncia Francesa de Pesquisa em Aids, Hepatites Virais e Doenças Emergentes (ANRS).
O Tecovirimat foi desenvolvido para o tratamento da varĂola e foi licenciado pela AgĂȘncia Europeia de Medicamentos (EMA) para a monkeypox no ano passado, a partir de dados de estudos limitados em animais e em humanos. Até o momento, entretanto, não houve ensaios clĂnicos para confirmar se o medicamento pode ajudar os pacientes com monkeypox a se recuperarem da doença. Os pesquisadores do INI/Fiocruz consideram que os resultados do ensaio clĂnico Unity serão de vital importância para esclarecimentos nesse sentido.
Fonte: AgĂȘncia Brasil