O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (/Fiocruz) e a revista cientĂfica The Lancet Regional Health Americas lançaram hoje (25) edição especial do encarte Mpox multinacional nas Américas: Lições do Brasil e do México, com artigos sobre a monkeypox ou "varĂola dos macacos", como é popularmente conhecida. A Mpox é uma doença viral e a transmissão entre humanos ocorre principalmente por meio de contato com lesões de pele de pessoas infectadas.
A editora-chefe da revista, Taissa Vila, destacou que embora esteja caminhando para resolução em alguns paĂses, a Mpox ainda é um problema de saĂșde pĂșblica em vĂĄrios lugares do mundo, como as Américas. Na avaliação da infectologista Beatriz Grinsztejn, chefe do Laboratório de Pesquisa ClĂnica em HIV/Aids (LapClin Aids) e presidente eleita da International Aids Society (IAS), é importante remeter ao fato de que a Mpox "é uma doença negligenciada em termos de pesquisa e de recursos e tratamentos efetivos", que poderiam ser disponibilizados, evitando ocorrĂȘncia elevada e mortes nos paĂses pobres da África. Beatriz lembrou que somente quando chegou à Europa, em meados do ano passado, é que a doença chamou a atenção do mundo, e isso causa vergonha por se ver quantas pessoas lidam com essa doença na África, hĂĄ décadas.
Segundo a infectologista, a caracterĂstica de lesões genitais jĂĄ estava descrita na epidemia na Nigéria, onde a diversidade de opção sexual das pessoas não é aceita. Beatriz Grinsztejn afirmou que a Mpox tem sintonia com as infecções sexualmente transmissĂveis (IST), o que leva à possibilidade de agravamento da doença nessas pessoas. E defendeu o combate ao estigma e à discriminação sempre. A Mpox é mais observada entre homens gays e bissexuais.
Para a professora titular do Departamento de Psicologia Social da Universidade de São Paulo (USP), Vera Paiva, cinco ĂĄreas não podem ser ignoradas na pandemia da covid-19 e nas pandemias que virão, sem tampouco ignorar a Mpox. A primeira é que estejam associadas a pessoas de segmentos mais vulnerĂĄveis. É necessĂĄrio diferenciar também as estruturas do sistema de saĂșde; combater mensagens enganosas e imprecisas, a exemplo das fake news (notĂcias falsas); reduzir a dependĂȘncia a vacinas e tratamentos estrangeiros e solucionar crise de governança em que se desenrola a luta contra as epidemias. "Ficou claro que desde a Aids e a covid-19 que esses não são eventos apenas virais", observou Vera.
Segundo a professora da USP, entre as lições que não se pode esquecer da covid-19 e outras epidemias é que o nĂșmero de mortes e adoecimentos depende da polĂtica de enfrentamento, que as mortes e adoecimentos ocorrem mais em territórios periféricos empobrecidos, que tĂȘm raça, cor, gĂȘnero, que crescem mais onde os governos são negligentes em proteger os direitos humanos ou violam o direito à vida e à saĂșde integral. O crescimento das epidemias confirma marcadores de desigualdade e violação de diretos humanos, indicou.
Conforme reiterou Vera Paiva, serĂĄ fundamental, diante de qualquer epidemia, que haja combate ao estigma em um primeiro momento, associado à infecção e às pessoas de segmentos mais vulnerĂĄveis; combate à infodemia (grande fluxo de informações que se espalham pela internet sobre um assunto especĂfico) imprecisa e enganosa, não só em relação à Mpox, mas a outras epidemias; necessidade de financiamento para o Sistema Ănico de SaĂșde (SUS); retomada da ideia de quebra de patentes e produção de vacinas, acabando com a dependĂȘncia de vacinas e tratamentos estrangeiros. A prevenção deve ser integral para todas as epidemias, pensando nos princĂpios de direitos humanos. "Esse é o grande desafio", manifestou.
A infectologista do INI, Mayara Secco, informou que até o dia 24 de janeiro de 2023, foram confirmados no Brasil 10.711 casos de Mpox, com 11 óbitos. Os estados mais afetados foram São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2022, o INI atendeu 416 casos confirmados no Rio de Janeiro e 402 casos descartados. Neste mĂȘs de janeiro, foram atendidos 32 casos, dos quais 22 foram confirmados, 5 descartados e 5 se encontram em investigação.
Para a especialista, a emergĂȘncia de saĂșde ainda representa um desafio para o setor da saĂșde e os 22 casos confirmados em janeiro de 2023 significam uma taxa de positividade alta. A anĂĄlise dos casos confirmados desde o aparecimento do primeiro paciente revela que os homens cis constituem a maior parcela dos afetados, com 87%, contra 5,5% de mulheres cis. A maior parcela dos afetados estĂĄ na faixa etĂĄria de 30 a 39 anos. Dos confirmados, 97% tiveram relação sexual 30 dias antes do aparecimento dos primeiros sintomas de Mpox. Entre aos pacientes que confirmaram a Mpox no INI/Fiocruz, 51% conviviam com HIV e 30% só tinham uma região do corpo acometida.
A mudança de nomenclatura de monkeypox para Mpox foi anunciada pela Organização Mundial da SaĂșde (OMS) em 28 de novembro de 2022, após denĂșncias de discriminação e racismo e de notĂcia de assassinato de macacos no Brasil. O prazo para que o mundo adote a nova nomenclatura é de um ano.
A chefe do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Clarissa Damaso, esclareceu que o monkeypox não é uma doença de macacos, nem se trata de uma doença nova ou um vĂrus novo, tendo sido descrita em 1958. "O macaco é tão vĂtima como os humanos".
Clarissa defendeu que a troca de nome para Mpox tem de ser gradual, "porque hĂĄ uma história de pesquisas por trĂĄs", de testes clĂnicos em andamento, inclusive, e de tratamentos e vacinas aprovados. Para a virologista da UFRJ, o que precisa ser debatido e combatido é o comportamento humano e não o nome da doença em si, porque acredita que não se conseguirĂĄ alterar a questão do preconceito da sociedade só mudando o nome da doença.
Ela citou, por outro lado, trocas de nomes com sucesso, entre as quais a SĂndrome de Down, ou mongolismo, por Trissomia de 21, e a lepra por hansenĂase.
Fonte: AgĂȘncia Brasil