O povo isolado que vive na TI Massaco, em Rondônia, diz Azanha, é um dos que têm demonstrado curiosidade de ver o que se passa em suas fronteiras. "Eles têm umas saídas, os especialistas costumam falar dos jovens, para observar o que se passa e nisso deixam algumas pistas que o pessoal da Funai acompanha e ativa um sistema de proteção mais eficaz nessas áreas onde têm aparecido, meio de repente."
Como não há, geralmente, uma comunicação verbal com os povos em isolamento, que poderia permitir maior entendimento sobre a cultura de cada, eles podem ser identificados a partir de seu ponto geográfico. Há nomes como "isolados do Alto Xeruã", "isolados do Rio Copaca/Uarini" e "isolados do Igarapé Lambança".
Alguns desses povos, explica Azanha, desenvolvem sofisticação em suas andanças e movimentos, tenho habilidades excepcionais, por exemplo, de caminhar na floresta à noite. Como o intuito é perambular despercebido, um deles até parou de fazer roçados, de abrir clareiras na mata e de construir casas mais permanentes.
Tiago Moreira comenta ainda que, nos anos 80, houve, em Rondônia ocorrências de povos isolados e de recentes contatos, que acabaram se deparando com pessoas que não pertenciam à sua comunidade e o resultado disso foi um elevado número de mortes. "A partir dos anos 80, também foi construída uma política de não contato, principalmente baseada no fato de que as experiências de aproximação eram desastrosas, as pessoas morriam, os grupos passavam por um processo de perda populacional muito grande. Então, a Funai, junto com os antropólogos, indigenistas, se reuniram para decidir o que fazer. Aí, foi indicada essa política de não contato e adotada uma série de protocolos, porque, eventualmente, esse contato teria que ser feito em caso de risco desse grupo [isolado].
O órgão que oficialmente faz o acompanhamento e registro dos povos em isolamento voluntário é a Funai. Contudo, outras organizações, como o Instituto Socioambiental (ISA), colaboram com essa função. A autarquia, afirma Tiago Moreira, busca vestígios e tenta manter distância segura desses povos". "É um trabalho muito minucioso e cuidadoso, porque encontrar os vestígios dessas populações na floresta é uma coisa realmente bastante difícil. E, ao mesmo tempo, não se pode ficar ali dando bobeira, porque pode-se encontrar com esses isolados. Já aconteceu, a gente perdeu um colega da Funai, o Rieli [Franciscato, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau]. Ele estava fazendo uma ação de proteção na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, porque os isolados estavam sendo vistos fora da terra indígena. Tinham aparecido em uma fazenda, uma chácara, algo assim, que fica no limite da terra indígena, e foi para lá, a fim de tentar entender a situação e ver esses vestígios, para saber por onde estavam andando. Acabou sendo flechado por esses isolados. É um trabalho que é feito a distância", diz o antropólogo, completando que quando a área ainda não é demarcada, há um empenho para, pelo menos, interditar o território, com o objetivo de preservá-la contra invasores e ameaças.
Segundo Moreira, no caso do ISA, o monitoramento é feito com a ajuda de satélites. "Nesse caso, tentando mais monitorar as pressões ao território do que propriamente se os isolados estão ali, porque, pelo satélite, é quase impossível acompanhar a presença deles. Então, a gente faz um monitoramento das ameaças, principalmente do desmatamento", esclarece.
Para o antropólogo do ISA, os maiores inimigos, atualmente, dos povos em isolamento voluntário são o garimpo e o desmatamento. Além disso, enfrentam o narcotráfico, fazendeiros, caçadores, posseiros, madeireiros e a especulação imobiliária.
Manaus (AM) - Policia Federal inutiliza balsas de garimpo ilegal com apoio do IBAMA e ocorreu no Vale do Javari/AM Foto: Policia Federal/Divulgação - Policia Federal/divulgaçãoMoreira lembra que, no interior da TI Yanomami, há povos com esse perfil. "O que a gente viu nos últimos quatro, cinco anos foi que houve um crescimento do desmatamento em terras indígenas sem precedentes e que boa parte dele foi em terras indígenas com a presença de povos isolados".
Outra entidade que forma a rede proteção é o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), criado, conforme conta uma de suas integrantes, Luisa Suriani, durante o governo Bolsonaro, como reação ao aumento da vulnerabilidade dos indígenas. Muitas pessoas que fazem parte do observatório, relata ela, deixaram outras atividades com que estavam envolvidas para se dedicar exclusivamente a ele, após a morte de Bruno Pereira e Dom Phillips.
A mestranda em antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) diz que o Projeto de Lei (PL) 490/2007, aprovado na última terça-feira (30) na Câmara dos Deputados por 283 votos contra 155, contém trecho relacionado aos povos em isolamento que preocupa especialistas. O Artigo 29 da proposta, que trata do marco temporal na demarcação de terras indígenas, permite que haja contato com esses povos, "para intermediar ação estatal de utilidade pública". No último dia 26, o OPI e o Cimi já alertaram para esse aspecto, questionando o contato forçado e denunciando que, em nome de "suposto interesse público", grandes empreendimentos promoveram verdadeiros massacres, genocídios, como a construção de rodovias, hidrelétricas, projetos de mineração, colonização e agropecuária.
"Isso abala completamente a política do não contato, que é a da Funai. Ou seja, a gente respeita a autonomia dos povos isolados e entende que essa forma de viver é uma forma de recusar o contato direto. O Artigo 29 propõe uma coisa que vai contra a política do não contato, consolidada no Brasil, e impõe um problema muito grave", afirma Luisa.
Embora acredite que esteja em curso, pelo governo Lula, o que chama de "desintrusão da Funai", isto é, a troca de figuras com posição anti-indígena por indígenas e indigenistas com anos de carreira na autarquia, Luisa diz que a recuperação do desmonte, que se estende a limitações de orçamento, ainda provoca inquietude. "As frentes de Proteção Etnoambiental, que são bases da Funai por região e cuidam de registros de povos isolados, sofrem com falta de comida. Daqui a pouco, não vai ter comida para abastecer essas bases. É uma coisa muito elementar", afirma.
A noção de que poucas pessoas dominam conhecimentos sobre os povos em isolamento voluntário é uma percepção errônea, para a antropóloga. "No fim das contas, os verdadeiros especialistas são os próprios indígenas que compartilham os territórios com eles. Só que, durante muito tempo, a questão dos isolados ficou muito marcada como uma política da Funai. São dados muito sigilosos, até por essa questão de invasão. Então, há dificuldade de se acessar as informações justamente por causa da proteção desses dados. Muitas vezes, cria-se essa nebulosidade de que é algo que poucos sabem. Não, na verdade, quem está no campo, na base, que são os próprios indígenas, sabe disso muito bem. E acho que, dentro da antropologia, agora pensando em algo mais acadêmico, também para uma discussão política, é uma pauta que tem crescido, têm sido ampliado esses estudos mais antropológicos, sociológicos. Mas a expertise de fato é de quem está em campo, que são os próprios indígenas", defende a pesquisadora, para quem a devida remuneração e contratação dos indígenas que têm proximidade com os isolados deve ser uma prioridade da Funai.
A Agência Brasil procurou a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas, mas não teve retorno até o fechamento desta matéria.
Fonte: Agência Brasil