Segundo relato de testemunhas indígenas, o cacique regressava à aldeia no início da madrugada de domingo (14), quando o carro em que viajava com mais uma pessoa atolou. Pouco tempo depois de descer do veículo para tentar liberá-lo, o cacique foi abordado por dois homens em uma motocicleta. Sem nada dizer, um dos motociclistas sacou uma arma de fogo e disparou contra Lúcio, atingindo-o no rosto. Desde então, o cacique está internado no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência em Belém, onde deve ser submetido a uma cirurgia neste sábado (20).
Dias foi preso na noite de terça-feira (16), em Tomé-Açu. De acordo com as informações que constam do termo de audiência de custódia, os policiais civis chegaram até o suspeito de atirar no cacique graças ao depoimento de um fugitivo do sistema penal, abordado enquanto os investigadores tentavam localizar outras possíveis testemunhas do crime. O homem contou aos policias que, na véspera da ocorrência, o cacique tinha discutido com Dias por este vender drogas na aldeia. Ainda segundo este homem, o próprio filho de Lúcio Tembé tinha conhecimento da discussão e desconfiava do envolvimento de Dias com o ataque a seu pai.Ainda conforme o termo de audiência de custódia a que a Agência Brasil teve acesso, quando foi detido, Dias estava próximo da aldeia Turé-Mariquita em uma motocicleta com as mesmas características do veículo descrito pelas testemunhas do crime. Além disso, tinha consigo R$ 3.730 em dinheiro.
Na decisão, o juiz Iran Ferreira Sampaio não reconheceu o flagrante, chegando mesmo a sugerir que, não fosse pelas demais características do caso, determinaria a soltura imediata do suspeito. "No caso em tela, entendo necessária a decretação da segregação cautelar. No tocante ao fumus comissi delicti [requisitos indispensáveis à decretação da prisão preventiva], a materialidade e indícios da autoria delitivas estão suficientemente demonstradas no auto de prisão", disse o magistrado. Ele acrescentou que manter Dias preso em caráter preventivo busca evitar que ele fuja ou mesmo seja alvo de alguma retaliação.
"Verifica-se a necessidade de decretação da prisão preventiva do indiciado para assegurar a aplicação de lei penal, ou seja, assegurar a eficácia e as consequências da sentença, tutelando, portanto, o próprio processo. Isto porque, […] vejo que o investigado apresenta grande possibilidade de se evadir [...], haja vista a repercussão do caso na comunidade local, havendo possibilidade de represálias, o que fará com que o investigado, também morador da tribo Tembé, procure se evadir. Assim, no caso em questão, entendo que não se trata de mera presunção de fuga, mas sim de uma circunstância real e concreta, que deve ser evitada. Além disso, entendo que a prisão cautelar também se faz necessária para garantia da ordem pública, sendo indispensável a segregação do investigado com o intuito de se preservar a paz e a tranquilidade no meio social", acrescentou o juiz.
Inicialmente, indígenas e organizações indigenistas afirmaram que o crime de que Lúcio Tembé foi vítima se insere em um contexto de intensos conflitos envolvendo comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas e empresas produtoras de óleo de palma, acusadas de avançar sobre o território da União destinado ao usufruto exclusivo indígena e de impactar o meio ambiente por meio do uso de agrotóxicos nas plantações e pelo descarte irregular de rejeitos da produção do óleo de palma.
Em setembro do ano passado, três indígenas do povo Turiwara foram feridos durante uma emboscada perto da cidade de Acará, também na região nordeste do Pará. Um não indígena, Clebson Barra Portilho, morreu na ocasião. Segundo os relatos, Portilho dirigia a caminhonete em que os três indígenas voltavam à comunidade Ramal Braço Grande, localizada entre as cidades de Tomé-Açu e Acará e próxima da Terra Indígena Turé-Mariquita.
A reportagem ainda não conseguiu voltar a ouvir nenhum representante da comunidade indígena a respeito da prisão de Juscelino Ramos Dias e sobre as suspeitas de que o crime tenha sido consequência de uma discussão devido à venda de drogas na aldeia.
Homologada em 1991, a área indígena Turé-Mariquita tem pouco mais de 146 hectares (cada hectare corresponde às medidas aproximadas de um campo de futebol oficial).
Fonte: Agência Brasil