A capacidade de resposta rĂĄpida a situações de emergĂȘncia em saĂșde pĂșblica, como a pandemia da covid-19, requer um investimento permanente em ciĂȘncia, tecnologia e inovação, defendeu hoje (20) a presidente da Fiocruz, NĂsia Trindade, na abertura do webnĂĄrio "A pandemia covid-19 em transição", promovido pela fundação.
"A gente tem essa ilusão de que a resposta [à pandemia] é rĂĄpida. Ela precisa ser rĂĄpida, mas ela não vem do nada, vem de uma base", afirmou NĂsia. "É fundamental o investimento permanente e constante em ciĂȘncia, tecnologia e inovação. Nada da resposta ocorreu sem um histórico e sem investimentos anteriores. Isso se aplica à vacina hoje totalmente nacionalizada pela Fiocruz a partir do acordo com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca".
A presidente da Fiocruz destacou que esse investimento precisa estar associado à proteção social e à saĂșde pĂșblica, e disse que a pandemia deixa como aprendizado a necessidade de descentralizar os centros de produção de vacinas e incluir mais paĂses, além de reforçar o multilateralismo.
"Parece que esse discurso soa como uma retórica ingĂȘnua nesse momento em que vivemos uma guerra e em um mundo marcado por conflitos que se intensificam", disse, citando a invasão da Ucrânia. "Ainda não sabemos a implicação dessa guerra , no caso a guerra na Ucrânia, em relação a todo o esforço global que precisa ser feito", acrescentou.
O webnĂĄrio discutiu o cenĂĄrio atual da pandemia, marcado por uma queda no nĂșmero de casos e óbitos causados pela covid-19 em relação às ondas de transmissão anteriores.
O pesquisador da Escola Nacional de SaĂșde PĂșblica da Fiocruz (Ensp/Fiocruz) Carlos Machado chamou atenção para o impacto que a doença teve sobre a população brasileira, que, apesar de representar menos de 3% da população mundial, somou mais de 10% das vĂtimas da pandemia em todo o mundo.
"No momento atual, em diversos paĂses e no Brasil, vivemos um cenĂĄrio bastante positivo. No Brasil, a existĂȘncia do SUS [Sistema Ănico de SaĂșde] permitiu não só diminuir o impacto da pandemia na população como também avançar na vacinação", disse, reforçando que o sistema pĂșblico de saĂșde precisarĂĄ de mais investimentos para lidar com as sequelas e casos de covid-19 persistente, além de atender aos passivos causados por diagnósticos e tratamentos para outras doenças que foram adiados durante a pandemia.
O coordenador do Programa de Computação CientĂfica da Fundação (Procc/Fiocruz), Daniel Villela, avaliou que não é possĂvel esperar uma ausĂȘncia de circulação do SARS-CoV-2, dada a transmissibilidade de suas variantes e a possibilidade de novas mutações surgirem. No entanto, ele considera que o mais provĂĄvel é a progressão para um regime endĂȘmico, em que a doença ocorra com uma regularidade previsĂvel.
"O que se deve evitar é o clima de que a pandemia acabou, de ter um cenĂĄrio de status de doença negligenciada", alertou, destacando a necessidade de avançar na vacinação de crianças. "Ainda hĂĄ bastante espaço para avançar. As crianças foram menos afetadas no inĂcio, mas elas foram, sim, afetadas, e precisam de atenção".
A professora da Universidade Federal do EspĂrito Santo Ethel Maciel abriu sua apresentação abordando a dificuldade de estabelecer qual seria o padrão endĂȘmico de um vĂrus novo, que só passou a circular a partir de 2019. "Não temos esse consenso internacional. Ainda estĂĄ sendo construĂdo".
Ela defendeu que a revogação do decreto da EmergĂȘncia de SaĂșde PĂșblica de Importância Nacional (Espin) no Brasil deveria ser coordenada com a Organização Mundial da SaĂșde (OMS) e com as unidades federativas.
"Como a gente tem um organismo internacional que estĂĄ analisando a emergĂȘncia, era muito melhor que a gente fizesse as coisas coordenadas. Não estamos fazendo. Não estamos fazendo nem do ponto de vista internacional nem interno. Corre o risco de o Ministério da SaĂșde revogar o decreto, e os governadores manterem os decretos estaduais", alertou.
A professora defende que a revogação leve em consideração a continuidade de ações de vigilância e acompanhamento da doença, incluindo casos de covid-19 persistente, cujo tratamento deveria ser feito em centros especializados que ainda não foram criados. "Corre o risco de que, se a gente invisibilizar a doença, isso nunca aconteça".
Para o pesquisador Eduardo Carmo, da Fiocruz BrasĂlia, é preciso lembrar que, mesmo com uma queda nas mortes causadas pela covid-19, elas ainda se mantĂȘm em nĂveis mais elevados que as de outros vĂrus respiratórios. E ponderou que a transição para o fim da pandemia pode demorar mais devido ao relaxamento das medidas preventivas e à redução da testagem. "A evolução do agente e da doença ainda é imprevisĂvel", disse.
Integrante do Observatório Covid-19 da Fiocruz, Raphael Guimarães defendeu que ainda é preciso comunicar com clareza para a população que a pandemia não acabou e destacou que o Brasil vive uma estagnação da cobertura vacinal quando ainda hĂĄ estados com menos de 70% da população com as duas doses da vacina, além de menos da metade da população elegĂvel com dose de reforço. "O rebaixamento cria uma falsa impressão de que agora estĂĄ tudo bem, e de que, se estĂĄ tudo bem, eu não preciso me vacinar".
Ele defende que o cenĂĄrio positivo com menos mortes e internações deve servir para alinhar prĂĄticas de vigilância e de atenção primĂĄria, além de preparar o sistema de saĂșde para atender a outros problemas de saĂșde que não foram descobertos ou tratados durante a pandemia.
Fonte: AgĂȘncia Brasil